Repressão à libertação animal: evidência de força e um sinal de alerta
Relatório da Animal Rights National Conference 2007, Los Angeles, EUA
George Guimarães, presidente do VEDDAS – Vegetarianismo Ético, Defesa dos Direitos Animais e Sociedade
Um evento como a Animal Rights Conference – que, em cinco dias, realiza 120 palestras e oficinas, além de possibilitar o acesso a materiais de mais de 70 entidades ali representadas – é uma oportunidade rara para se aprender sobre fatos e estratégias que podem impulsionar o nosso trabalho enquanto ativistas.
Além das salas de palestras, há os corredores por onde, circularam mais de 1.000 participantes. Na minha experiência deste ano, este foi o local de maior aprendizado. É ali que podemos conhecer as pessoas que estão por detrás do palestrante, e os ativistas individuais, que estão por detrás do movimento.
Como em todos os anos anteriores, foi uma experiência gloriosa estar entre tantos ativistas, desde as figuras lendárias aos que chegaram há pouco tempo, mas já acumulam muitas conquistas e dificuldades vencidas, pessoas que se dedicam inteiramente à causa e estão fazendo a diferença pelos animais. Quando nos dedicamos a uma batalha abraçada por relativamente poucos em nossa sociedade, somos capazes de encontrar o aprendizado em cada experiência e história compartilhadas, desde os pequenos dilemas pessoais aos grandes atos heróicos vividos por companheiros que se dedicam à mesma batalha a que nos dedicamos.
A pergunta que eu fazia a mim mesmo, enquanto interagia com os meus colegas de outros continentes, era: como entender o momento atual do movimento pelos direitos animais nos EUA? Para isto, eu busquei entender quem são as pessoas que estão fazendo a diferença pelos animais e como elas estão lidando com os conflitos que se apresentam como inevitáveis neste momento histórico da luta pela libertação animal.
Em teoria, já me era conhecida a repressão crescente aos ativistas na Europa e nos EUA, sendo que, no último, esta repressão organizada se concretizou na forma do AETA, uma lei aprovada no ano passado pelo Congresso americano que classifica os ativistas pelos direitos animais como terroristas, outorgando às autoridades a mesma liberdade de ação, inclusive a violação da privacidade e de outros direitos constitucionais, que já é concedida quando do combate a ações verdadeiramente terroristas. Esse é um bom ponto de partida para começarmos a refletir sobre como estão as mentes e os corações dos ativistas nos EUA, uma reflexão importante para nós aqui no Brasil, que também poderemos, em um futuro não muito distante, encontrarmos-nos na mesma situação.
Não é incomum os palestrantes se dirigirem, em tom sarcástico durante uma palestra, aos agentes do FBI presentes na platéia. Ora, se a Frente de Libertação Animal (ALF) é considerada pelo FBI a ameaça doméstica número 1 (logo acima da Al Queda), seria no mínimo ingênuo pensar que um evento dessa natureza não estaria sendo monitorado pelas autoridades. Histórias de agentes federais que foram descobertos infiltrados no movimento não são incomuns. E na prática, muitos ativistas têm amigos que estão presos por terem simplesmente falado contra as empresas que exploram os animais. Estamos nos referindo à repressão e ao encarceramento de ativistas, não por terem se envolvido em ações que poderiam ser classificadas como atos criminosos, mas à perseguição a ativistas que fazem campanhas pacíficas e de caráter informativo contra as empresas que lucram com a exploração animal.
O clima de repressão, no entanto, não parece intimidar os ativistas. O fato de alguns estarem presos obviamente limita a sua presença no movimento, mas não há uma notável intimidação daqueles que estão livres e atuantes. O que se vê, sim, é uma tensão, e isto se evidencia nas ações mais cotidianas. Tarde da noite, na mesa do bar com Jerry Vlasak (assessor de imprensa da ALF) e outros ativistas que adotam ações de maior impacto, entre uma sessão de piadas e a lembrança de momentos memoráveis dos quais eu não participei, fala-se também do novo software que apaga todos os dados do disco rígido caso a senha não seja informada corretamente. Isto para o caso de o equipamento ser apreendido pelas autoridades, o que, depois do AETA, pode acontecer com mais facilidade do que antes. Outras coisas não são faladas, simplesmente. Assuntos que geralmente não temeríamos falar entre colegas de mesmo ideal numa mesa de bar às 2 horas da manhã, mas sabe-se de outros que estão com problemas porque um ato tão inocente e seguro como este estava sendo gravado por outro suposto colega.
No ônibus que se dirige a uma manifestação cujo destino não foi previamente divulgado, não é permitido tirar fotografias. Isto porque muitos dos ativistas permitem-se participar de protestos apenas com os rostos cobertos. Poucos minutos depois do início do protesto, a polícia está lá, armada com uma câmera que filma cuidadosamente os rostos de cada um dos ativistas que escolheram não cobri-lo. Parece praticamente impossível fazer um protesto nos EUA sem a presença de um advogado. Nesta manifestação específica havia dois, devidamente identificados como tais. Nessa vizinhança podemos usar o megafone, na outra não. Passado o horário das cinco da tarde, é preciso auferir o volume do barulho que estamos fazendo para que ele não exceda o permitido, pois a polícia está fazendo o mesmo com o seu equipamento. Em algumas cidades é permitido ficar parado em frente à residência onde mora o alvo do protesto, já em Los Angeles os manifestantes têm que ficar dando voltas no quarteirão (neste protesto específico visitamos quatro residências em diferentes bairros em uma tarde apenas).
É uma verdadeira batalha técnica, organizada para restringir, com bases legais, o direito à livre expressão garantido na Constituição daquele país. E por que as autoridades iriam querer fazer isto? Por que a repressão a um movimento que não deseja conquistar nada além daquilo que é justo? Porque o trabalho dos ativistas pelos direitos animais nos EUA já conquistou uma força grande o suficiente para ferir o interesse de indústrias poderosas (como a indústria farmacêutica e a pecuária) que baseiam suas atividades na exploração de animais inocentes.
Na mesma medida em que cresce a tensão em face da repressão, cresce também a determinação em organizar-se e querer fazer mais, cresce a certeza de estar lutando do lado certo da batalha. Peter Young, que acaba de cumprir uma pena de dois anos em uma prisão federal por ter sido condenado por tramar a libertação de chinchilas de diferentes fazendas de pele, ainda está cumprindo os seis meses que restam do seu ano em liberdade condicional. E ele estava lá para falar aos outros ativistas que a idéia da prisão não é tão ruim como se pensa, da importância do apoio que recebeu enquanto estava preso e dos seus planos para o futuro. Ele me contou que, enquanto estava na prisão, fazia as contas de quantas horas estava cumprindo para cada animal que libertou: são poucas horas para cada animal, o que ele declara não ser um grande sacrifício diante da tortura e miséria que esses animais teriam que enfrentar se ele não os tivesse libertado. Kevin Kjoonas, condenado no ano passado a seis anos de prisão por ter liderado uma campanha informativa contra o laboratório Huntingdon Life Sciences, que tortura e mata 500 animais todos os dias em experimentos encomendados pela indústria, foi homenageado durante a sessão de encerramento do evento.
Enquanto os ativistas que estão vivendo sob pressão não deixam de falar e lutar por aquilo em que acreditam, a pressão parece apenas aumentar. Com isso, não podemos esperar nada menos do que mais pressão e mais repressão no futuro e quanto a isso parece não haver mais saída. O movimento pelos direitos animais nos EUA e também na Europa já se configura como um verdadeiro movimento de justiça social, o que na verdade ele sempre foi e o que não devemos pensar que ele não seja, e isto vale também para o Brasil! O movimento pela libertação animal é um movimento que afeta diretamente os interesses econômicos das indústrias que dominam a economia em todo o mundo e o sistema organizado fará de tudo para voltar as suas armas contra os que pretendem mudar o status quo.
Observar a força do movimento fora do nosso país, evidenciada pela repressão declarada e organizada para derrotá-lo, é como olhar para o futuro do nosso próprio movimento local. Não devemos ser ingênuos em pensar que esta será uma luta mais fácil do que foram as lutas de outros movimentos sociais. Podemos querer acreditar que o mundo e a sociedade conspiram para que a vitória seja nossa, simplesmente porque a nossa luta é uma luta justa. No entanto, sabemos que as lutas pelos direitos das mulheres, das crianças, dos negros e dos trabalhadores também foram lutas justas, mas nem por isso foram fáceis ou isentas de sacrifícios e baixas. As histórias dessas lutas nós conhecemos, pois elas estão escritas no passado e podemos desfrutar de suas conquistas no presente.
Se quisermos que, no futuro, aqueles a quem defendemos encontrem um presente melhor, deveremos (enquanto ativistas que lutam por ideais que são, em essência, comuns aos ideais dessas outras lutas) estar preparados e fortalecidos para lutarmos contra o que se apresentará entre nós e este futuro que almejamos. A história nos prova que as lutas por direitos sempre vencem. No que diz respeito aos direitos animais, é apenas uma questão de tempo até a vitória, e a distância entre o agora e tempos melhores é determinada pela dedicação, empenho e sinceridade com que cada um de nós abraça essa luta.
* Aos que desejam capacitar-se e envolver-se mais com a luta pelos direitos animais, o VEDDAS promoverá o Encontro Nacional de Direitos Animais em 2008 – mais informações no site www.veddas.org.br