George Guimarães – VEDDAS – Vegetarianismo, Defesa dos Direitos Animais e Sociedade

Dos dias 10 a 14 de agosto deste ano eu tive a oportunidade de participar pela segunda vez como congressista e palestrante da Conferência Anual de Direitos Animais – Animal Rights National Conference, promovida pela FARM (organização americana pelos direitos animais – www.farmusa.org). O evento é um grande fórum para compartilhar experiências, discutir estratégias, relatar o progresso das ações do movimento e expor o trabalho dos diferentes grupos que atuam pela libertação animal em todas as frentes, até mesmo aquelas que atuam por vias condenadas à vista da lei.

Mais de 80 palestrantes, representando 60 organizações, compartilharam as suas experiências em torno de 100 sessões de palestras. Uma verdadeira maratona de quatro dias de duração com até cinco sessões paralelas acontecendo ao mesmo tempo. Além das palestras, uma sala de vídeo exibia continuamente produções sobre o tema da conferência e a área de exposição mostrava o trabalho de diversas organizações e produtos veganos (alimentação, vestuário, cosméticos) para todos os gostos.

O que mais chamava a atenção no evento, além da quantidade de palestras e atividades, era a qualidade dessas. Imagine encontrar, no mesmo recinto: Paul Watson do Sea Shepherd, cuja atividade é basicamente perseguir e afundar (ou ao menos avariar) navios em atividade ilegal de caça a focas e baleias; Jerry Vlasak da NAALPO, assessoria de imprensa da ALF (Animal Liberation Front) e outras facções anônimas do movimento de libertação animal; Steve Hindi do SHARK, que conduz investigações em diversos casos de abuso contra animais e os leva a público no intuito de pressionar empresas, organizações e indivíduos a cessarem as suas atividades; Bruce Friedrich, vice-presidente da Peta, a maior organização do mundo em defesa dos direitos animais; Alex Pacheco, que foi co-fundador da Peta há 25 anos; e Alex Hershaft, responsável pela FARM, entidade que promove a conferência desde a mesma época.

Ainda circulou por lá Shannon Keith, advogada que já defendeu ativistas da ALF e dirigiu o recém-lançado documentário sobre a organização intitulado Behind The Mask (será lançado no Brasil em breve). O filme traz o depoimento de muitos ativistas que já foram acusados ou condenados por suas ações. Entre os entrevistados está Kevin Kjonaas que foi condenado no último dia 12 de setembro a cumprir 6 anos em uma prisão federal, juntamente com outros 5 ativistas que foram condenados a penas que variaram de 1 a 4 anos. As acusações são de incitar a participação de outros em manifestações LEGAIS e defender a ideologia da ação direta. O músico Moby, vegano há 20 anos, que lançou recentemente um CD intitulado Animal Rights esteve presente para receber uma homenagem durante a conferência.

É contagiante a experiência de estar em meio a essas figuras lendárias juntamente com outros 800 ativistas, desde os recém-chegados ao movimento e cheios de ânimo àqueles de longa data que trataram de manter o mesmo ânimo de sempre ao valorizar cada uma de suas conquistas e aprender com as muitas derrotas.

A minha tarefa por lá, além de mergulhar nessa imensa quantidade de informações e contatos, foi também a de apresentar duas palestras: Foreign Laws, sobre as leis brasileiras que favorecem os animais e Nutritional Concerns of a Vegan Diet, que abordou alguns tópicos de interesse da nutrição vegana. O Brasil também esteve representado por duas outras ativistas brasileiras que atualmente residem nos EUA, sendo que uma delas, a carioca Andrea Carvalho, trabalha com a FARM há mais de 1 ano.

Fato marcante desta edição foi a celebração do 25º aniversário do movimento em defesa dos direitos animais nos EUA. Sempre que buscamos nos comparar ao movimento lá fora, muitos de nós ativistas brasileiros tendemos a admirar a sua maturidade e conquistas como algo inatingível. Ter assistido às retrospectivas e depoimentos dos pioneiros do movimento americano trouxe-me grande clareza sobre o nosso momento enquanto movimento, lançando luz sobre o caminho que ainda temos a trilhar. Muitos ativistas têm clareza do destino aonde queremos chegar, mas é preciso pensar no caminho.

Descobrir que podemos trilhar aquilo que queremos trilhar, não importando se nós estamos no começo ou no meio do caminho, traz grande esclarecimento. Saber que grandes organizações e personalidades estavam, há 25 anos, num trecho do caminho próximo àquele no qual pisamos agora, traz a tranqüilidade de saber que podemos nos inspirar em experiências já testadas para possibilitar um crescimento acelerado ao nosso movimento localizado. Temos no Brasil muitos trabalhos e conquistas bastante originais, dignos de orgulho e admiração internacional, e a possibilidade de acrescentar a isso o exemplo de experiências mais adiantadas é motivo de grande satisfação. Eu vejo no Brasil pessoas tão dispostas quanto as que eu vejo fora daqui. Eu comemoro, ainda que com menor freqüência, conquistas tão valiosas quanto aquelas que colocam em evidência o movimento no exterior.

Ingrid Newkirk, presidente da Peta costuma notar que “os movimentos de justiça social, aqueles que reivindicam direitos, sempre crescem, eles nunca desaparecem”. Ainda que levem o seu tempo, ao final, com o sacrifício e choques necessários, eles sempre vencem. Revolucionar a maneira como é tratada a questão animal no Brasil é tarefa que exigirá de nós uma dedicação enorme. Seria uma grande ingenuidade imaginar que apenas nos encontrando esporadicamente para discutir o assunto, produzindo informativos e organizando alguns eventos podemos revolucionar uma questão que afeta tão diretamente hábitos muito arraigados em nossa cultura e que está no cerne do nosso sistema econômico. Já está na hora dos ativistas brasileiros entenderem o movimento vegetariano e de libertação animal como um movimento de justiça social, nada menos do que um movimento revolucionário, pois é isso o que ele é. E é assim que ele é tratado no exterior, prova disso é o cerco que se configura em torno dos ativistas mais expoentes, muitos deles sendo condenados por crimes federais sem nunca sequer terem se envolvido diretamente em ações violentas. Como movimento, o incômodo gerado já resulta neste tipo de pressão por parte de um sistema que luta para manter o seu status quo. Se o movimento e suas conquistas hão de crescer, não podemos ser ingênuos a ponto de esperar que tal embate possa ser evitado.

Enquanto vejo que no Brasil o movimento em defesa dos direitos animais ainda está em configuração, tenho a mais absoluta certeza de que, com a formação e organização correta dos nossos ativistas, o nosso movimento pela libertação animal também será vencedor.

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.