Do Front da Guerra Gélida pelas Baleias
George Guimarães, ativista pelos direitos animais
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Faz cerca de seis anos que eu tive o meu primeiro contato com a Sea Shepherd e o Capitão Paul Watson (que é sem dúvida a maior lenda vida do movimento ambientalista no mundo) quando dividimos a mesma mesa como palestrantes em uma conferência sobre direitos animais no exterior. Desde então, pude conhecer mais sobre a organização e seu modo de ação. A Sea Shepherd nasceu depois que Paul Watson foi expulso do Greenpeace, organização da qual é co-fundador, por defender o uso de métodos mais diretos de intervenção pela conservação do meio ambiente. Enquanto o primeiro é um grupo de protesto, a Sea Shepherd é um grupo de intervenção, colocando-se fisicamente entre o agressor e a vítima.
Alistei-me há pouco mais de dois anos para participar da campanha contra a caça de baleias. O trabalho como voluntário nessas campanhas é bastante prático, podendo ser nos setores da cozinha, da limpeza, da engenharia, do trabalho no convés ou da navegação propriamente dita. Como não tenho qualquer experiência com a vida marítima, minhas chances de ser convocado eram pequenas, pois o número de voluntários inscritos é grande, especialmente depois que a campanha foi transformada em série televisiva (Whale Wars, do Animal Planet, a série de maior sucesso em toda a história do canal). Fui convocado de última hora no final do mês de dezembro, com a condição de ter que estar do outro lado do planeta dentro de 72 horas. Cancelei toda a programação e trabalho das semanas seguintes e não posso dizer que consegui organizar tudo para estar fora por muitas semanas, mas o fato é que dentro de 36 horas eu estava a caminho da Nova Zelândia, de onde partiria o navio.
A caça de baleias é proibida em todo o mundo. Fazendo uso de uma brecha nessa resolução, o Japão continua a caçar baleias sob o pretexto de estar realizando pesquisa científica. Com isso, o Japão impõe uma cota anual auto-estabelecida que gira em torno de 1.000 animais (nesse ano, pela primeira vez, o número de animais foi reduzido já que não têm conseguido caçar tantos animais devido às ações da Sea Shepherd). Como a mesma resolução que proíbe a caça permite que a carne das baleias mortas para fins científicos seja destinada ao consumo humano, eles se veem “forçados” a vender esse subproduto da sua “pesquisa científica”. Depois de ter matado milhares de animais ao longo de muitos anos, produzindo centenas de toneladas do “subproduto” que comercializam, o programa científico japonês foi incapaz de publicar qualquer artigo científico.
Tudo isso, é claro, com o objetivo de melhor “compreender” esses animais para que eles possam ser “preservados”! O programa japonês de pesquisa de cetáceos não é apenas uma piada, mas é também uma afronta aos governos que trabalharam para proibir a caça comercial de baleias. No entanto, esses governos nada fazem para impedir essa atividade criminosa, nem mesmo os governos dos países próximos à área onde a matança ocorre (Austrália e Nova Zelândia). Para agravar ainda mais a situação, a caça ocorre em uma área definida como Santuário de Baleias, ou seja, um lugar onde os animais deveriam ser deixados em paz! É claro que não seria correto caçar baleias onde quer que seja, mas como há a violação de Tratados Internacionais, a Sea Shepherd é capaz de intervir de maneira direta para fazer valer esses tratados.
Esse é o sétimo ano consecutivo de intervenção da Sea Shepherd contra a caça de baleias na Antártida e a cada ano o número de baleias mortas pela frota japonesa é reduzido de maneira incremental. No primeiro ano os japoneses voltaram para casa com algumas dezenas a menos da sua cota auto-estabelecida de 1.000 baleias. No ano passado, eles voltaram para o Japão com menos da metade dessa cota, o que mostra que os métodos utilizados pela Sea Shepherd funcionam. Esse ano, o objetivo é reduzir o número de animais mortos a zero. Ao que tudo indica, esse objetivo está sendo alcançado.
Com 3 embarcações grandes, 1 helicóptero e 3 barcos pequenos em operação, a Sea Shepherd nesse ano está mais forte do que nunca. Estou a bordo do Steve Irwin, o principal navio da frota, com mais de 40 voluntários compondo a tripulação. O Bob Barker traz outros 40 tripulantes e o Gojira (que significa Godzilla em japonês), uma embarcação veloz que já foi detentora do recorde mundial de navegação ao redor do planeta, completa a equipe de 88 voluntários representando 22 nacionalidades. Os barcos pequenos e o helicóptero são lançados a partir dos navios grandes. Já a frota japonesa conta com 5 navios: 3 navios arpoeiros, responsáveis pela captura das baleias usando arpões munidos de explosivos (uma baleia leva até 30 minutos para morrer, afogando-se na água manchada com o seu próprio sangue enquanto suas companheiras a rodeiam); um navio-tanque, responsável por transferir combustível e; 1 navio-fábrica, responsável por receber os animais assassinados, transformando uma baleia que pode pesar várias toneladas em caixas de carne congelada em menos de uma hora.
Tenho a bordo do Steve Irwin a companhia de outros 4 brasileiros: Bárbara (fotógrafa oficial da campanha), Gunter (Primeiro Oficial veterano do Steve Irwin), Luis (Segundo Oficial) e Roberta (veterana assistente na Ponte de Comando). Nos primeiros dias a bordo, trabalhei no convés nas atividades de limpeza, manutenção, lançamento do barco pequeno, e todas as funções de convés lidando com metais, cordas e outros materiais pesados. Em seguida fui transferido para a Ponte de Comando, onde estou atuando como assistente. Além das informações referentes às atividades da embarcação, é dessa Ponte de Comando que o Capitão Paul Watson comanda a frota.
O trabalho em todos os setores do navio demanda grande dedicação e responsabilidade e a vida a bordo de um navio de uma ONG sem fins lucrativos tripulado por voluntários é repleta de restrições. Soma-se a isso o clima extremo da região Antártica que é onde estão as águas mais perigosas do planeta e a situação resultante não é a mais confortável. No entanto, não estamos aqui em busca de conforto, mas sim de resultados pelos animais e pelo meio ambiente. Apesar das dificuldades da vida em alto mar, nosso ânimo é recuperado a cada dia com a visão de baleias e icebergs que nos lembram do motivo que nos trouxe até aqui. No momento em que escrevo esse artigo, a Sea Shepherd já está concluindo a quarta semana de ação nas águas gélidas da Antártida intervindo nas atividades da frota baleeira japonesa na região mais remota e perigosa do planeta, a duas semanas de navegação do ponto civilizatório mais próximo.
Depois de alguns dias de navegação, a frota baleeira foi interceptada no dia 31 de dezembro de 2010, antes de terem iniciado a atividade de caça. Essa é a primeira vez que a frota é interceptada nesse estágio, o que é uma ótima notícia para as baleias. Desde então, dois dos navios arpoeiros se mantêm ocupados seguindo o Bob Barker e o Steve Irwin para informar suas posições ao navio-fábrica (para que ele se afaste), o alvo principal da Sea Shepherd. Quando encontrarmos o navio-fábrica, a atividade dos navios arpoeiros terá sido cessada imediatamente, pois eles não poderão transferir o animal morto para o navio-fábrica uma vez que estaremos bloqueando a sua rampa.
Desde que foram interceptados há duas semanas, os baleeiros têm nos agredido com poderosos canhões de água pressurizada que é lançada contra os tripulantes a uma temperatura inferior a zero grau Celsius, que é a temperatura da água nessa região do planeta. A tripulação da Sea Shepherd revida lançando bombas de fumaça e garrafas contendo ácido butírico, uma substância atóxica de odor nauseante que fica impregnada por vários dias no convés do navio. Essas são lançadas a partir dos barcos pequenos, que driblam bravamente os icebergs e growlers (fragmentos de icebergs de difícil visualização) que minam as águas aqui ao sul dos 60 graus sul de latitude. Em anos anteriores já fomos atacados com projéteis de metal e o Capitão já foi baleado co u projétil de arma de fogo enqaunto estava a bordo do Steve Irwin durante um dos embates.
Há dois dias o helicóptero localizou o navio-tanque e desde então estamos escoltando-o juntamente com o Bob Barker para fora da área do Tratado Antártico. Com a fama que a Sea Shepherd conquistou nos últimos anos, muitas vezes sequer é preciso intervir. Uma vez que o navio-tanque avistou os navios da Sea Shepherd, não demorou em alterar sua rota em direção ao norte. Como são tantas as normas e Tratados Internacionais que a frota baleeira viola nessa região desprovida de monitoramento de governos e organizações, os navios Steve Irwin e Bob Barker estão acompanhando-o a alguns quilômetros de distância enquanto ele se dirige para longe do Santuário Antártico, que é onde as baleias estão mais vulneráveis. Enquanto o navio tanque é escoltado, dois navios arpoeiros seguem os navios da Sea Shepherd e o Gojira continua varrendo o Oceano Antártico em busca do navio-fábrica. Há um navio arpoeiro livre, mas a probabilidade de ele estar caçando é pequena, pois o navio-fábrica esteve em fuga do Gojira e do helicóptero nos últimos dias e, enquanto ele estiver fugindo, não é capaz de receber a transferência de uma baleia morta pelo navio arpoeiro.
Há dois anos um navio arpoeiro tentou fazer a transferência de uma baleia na presença do Steve Irwin e como resultado houve uma colisão entre os dois navios, milhares de toneladas de metal chocando-se em alto-mar, o que colocou em risco a vida da tripulação de ambas as embarcações. Isso serviu para mostrar que os japoneses não medem esforços mesmo que isso coloque em risco uma vida humana e também serviu para mostrar que a tripulação da Sea Shepherd está disposta a isso, uma vez que não recuou diante da iminência da colisão.
O fato é que os dias de caça estão contados, pois sem terem acesso ao navio-tanque, não podem reabastecer. Além disso, estaremos presentes até o final do mês de março e nesse tempo encontraremos o navio-fábrica para encerrar de uma vez a atividade de caça (depois dessa data, as águas geladas do Oceano Antártico começam a congelar e a navegação fica impossibilitada para todos). retornando para o Japão com o maior prejuízo econômico da sua história, a frota baleeira japonesa poderá muito bem afundar economicamente e nunca mais se dispor a voltar ao Santuário de Baleias da Antártida, onde jamais deveriam ter navegado.
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