Vitória pelas Baleias
George Guimarães, ativista pelos direitos animais
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Na edição anterior da Revista dos Vegetarianos eu relatei aos leitores diretamente do navio Steve Irwin da Sea Shepherd Conservation Society sobre o desenrolar da campanha de intervenção contra a caça de baleias. Agora de volta ao Brasil, trago as novidades sobre o restante dos dias a bordo e a conclusão da campanha.
A Sea Shepherd é uma organização que trabalha pela conservação dos oceanos e o seu modo de ação é por via da intervenção direta nas atividades que ofendem a vida marinha. A campanha da qual eu tive o privilégio de participar como voluntário tem como palco o Santuário de Baleias da Antártida onde a frota baleeira japonês se faz presente para matar até 1.000 baleias todos os anos. Por sete anos consecutivos, a frota da Sea Shepherd se opõe à essa atividade fazendo-se igualmente presente, o que acaba gerando confrontos diretos entre as duas frotas. Nessa temporada, os baleeiros contaram com 5 navios e a Sea Shepherd com três navios e um helicóptero. O Steve Irwin é o principal navio da frota da Sea Shepherd, de onde o Capitão Paul Watson comanda toda a frota e onde eu passei 46 dias trabalhando como voluntário em tarefas relacionadas ao convés e à Ponte de Comando.
Quem desejar saber mais detalhes sobre esse histórico e a frota, queira por gentileza ler o artigo “Do Front da Guerra Gélida pelas Baleias” na edição número 53. Quando esse artigo foi escrito, já havíamos localizado a frota baleeira há três semanas e a perseguíamos desde então. O último navio a ser encontrado fora o navio-tanque (responsável por reabastecer a frota japonesa) e o único navio que faltava ser localizado era o navio-fábrica (onde as baleias são processadas depois de mortas). Você também pode se atualizar sobre toda a vivência da campanha lendo o meu Diário de Bordo no blog http://guerragelida.blogspot.com ou acessando o site da Sea Shepherd em www.seashepherd.org.
Depois de alguns dias escoltando o navio-tanque para longe do Santuário de Baleias me meio a tempestades com ventos de 90 km/h e ondas de 12 metros de altura, o Steve Irwin fez uma manobra que permitiu despistar o navio arpoeiro que já nos seguia há alguns dias com a tarefa de informar nossas coordenadas ao navio-fábrica, o que tornava impossível a missão de localizá-lo na vastidão do oceano. Para concretizar a fuga, fez-se necessário entrar em uma nova tempestade, agora com ventos de 120 km/h e ondas de 15 metros, tornou a vida da tripulação ainda mais difícil e o risco de estar a bordo de uma missão como essas, onde o socorro pode estar a dias de navegação, tornou-se ainda mais evidente. O risco provou-se produtivo, pois ao despistar o navio arpoeiro, foi possível continuar a busca pelo navio-fábrica.
A área pela qual navegamos nos dias que seguiram estava tomada por growlers (imensas placas de gelo flutuantes), o que representa um grande risco para o Steve Irwin e sua tripulação já que o navio não foi projetado para navegar no gelo. Em anos anteriores, o casco do navio foi aberto ao se chocar contra essas placas de gelo que têm solidez semelhante à do concreto e que podem ser maiores do que uma casa. Uma abertura no casco pode resultar em uma fatalidade para toda a tripulação.
Logo cedo, às 5 da manhã do dia 25 de janeiro, o helicóptero que decola a partir do Steve Irwin iniciou a busca pelo navio-fábrica, o Nishinmaru. Decolando várias vezes durante o dia para varrer a região em busca do navio-fábrica, foi no final da tarde que o helicóptero trouxe a notícia, que escutei pelo rádio durante o meu intervalo: “O helicóptero conseguiu confirmação visual do Nishinmaru”. Uma onda de euforia tomou conta da tripulação, que esperava logo poder ver o navio-fábrica de perto, preparar-se para obstruir a sua atividade. Esse seria o momento pelo qual todos esperavam. O navio-fábrica estava a 35 milhas de distância, ainda muito distante para ser alcançado. O importante é que sabíamos onde ele estava. Agora seria uma questão de tempo até alcança-lo.
O navio arpoeiro (Yushinmaru) não demorou a localizar o Steve Irwin, passando a nos monitorar, o que tornaria mais difícil a nossa aproximação. Em uma área tomada por icebergs e growlers, o radar não é capaz de detectar um navio a uma grande distância. Por isso, a melhor ferramenta continuava a ser o helicóptero que continuava a decolar para certificar a posição do navio-fábrica, nosso alvo maior. Em torno das 8 da noite, o navio-fábrica, em um ato desesperado, passou a rumar em meio a uma área com uma concentração de gelo ainda maior. As fotos aéreas produzidas a bordo do helicóptero mostravam que o Steve Irwin não poderia navegar pela mesma área. O Steve Irwin buscou cercá-lo pelo outro lado do campo de gelo (que se estendia por centenas de milhas). Com as equipes do helicóptero e do Deck extremamente desgastadas, por estarem trabalhando há 19 horas sem intervalo, o monitoramento aéreo teve que ser interrompido por volta da meia-noite pois qualquer erro na operação poderia causar uma fatalidade e as mentes já não conseguiam estar tão atentas quanto se fazia necessário.
No dia seguinte, havíamos perdido o navio-fábrica. O Gojira estava na Austrália passando por reparos e por isso não pode auxiliar na busca. O Bob Barker estava a alguns dias de distância, pois acabava de deixar a perseguição ao navio-tanque. Para auxiliar na busca, foi lançado a partir do Steve Irwin um balão meteorológico com câmera e radar, mas não produziu frutos. Com o navio arpoeiro em nossa traseira e navegando em meio ao gelo, nossas chances de encontrar o navio-fábrica eram pequenas.
Nesse momento, deu-se início a uma operação de caça para afastar o navio arpoeiro, o que nos daria alguma vantagem para retomar a busca. O barco Delta foi lançado à água com os suprimentos necessários (garrafas com ácido butírico, bombas de fumaça, cordas para apreender a hélice do navio arpoeiro) e o helicóptero estava voando. Como não era o horário do meu turno na Ponte, uni-me à equipe do Deck para acompanhar a ação de perto. Ao perceber nossa manobra de aproximação, o navio arpoeiro dirigiu-se para uma área de gelo fechado, o que impossibilitou a aproximação do barco Delta devido à sua limitação de navegação no gelo. Mas o Steve Irwin seguiu rompendo o gelo, que era víamos manchado com a tinta vermelha que era arrancada do casco do navio. O barulho do impacto contra dezenas de toneladas de gelo rachando debaixo dos seus pés é impressionante. A esperança era que, ao fugir em meio ao gelo, o navio arpoeiro se encurralasse sem conseguir passar. No entanto, eles seguiram gelo adentro. Como a capacidade de velocidade do navio arpoeiro é maior que a do Steve Irwin, a perseguição foi abandonada após uma hora e voltamos a buscar pelo navio-fábrica, que é o melhor que poderíamos fazer nesse momento.
Os outros navios da frota da Sea Shepherd não demorariam a chegar à região e o Steve Irwin e sua tripulação já se preparavam para rumar de volta ao porto na Nova Zelândia para reabastecimento, pois nossas reservas de combustível e suprimentos se aproximam do limite. Em toda a história da Sea Shepherd, esse foi o período mais longo de navegação do Steve Irwin, que ficou um total de 46 dias navegando. Depois da 5ª semana, já não tínhamos mais frutas ou vegetais frescos. Frutas em calda ou geléia de morango eram o mais próximo de uma fruta “fresca” a bordo e ainda haveria mais umas duas semanas até retornarmos ao porto. O banho estava restrito a um banho de 3 minutos a cada 3 dias e a rotina começava a afetar o ânimo de todos. O que nos animava era saber que apesar de não estarmos conseguindo uma eficiência de 100% na redução da caça, ela estava reduzida em pelo menos 70% já que a frota baleeira estava constantemente ocupada com a frota da Sea Shepherd e suas ações.
De fato, rumamos de volta à terra firme e no dia 5 de fevereiro chegamos ao porto. Era hora de despedir-me da missão a bordo do Steve Irwin e outras pessoas também desembarcaram, sendo substituídas por novos voluntários. Tivemos uma recepção calorosa dos ativistas locais, que nos receberam com frutas frescas! Não saciado, minha primeira parada foi em um mercado onde a visão de prateleiras recheadas com frutas e vegetais frescos me deram uma noção do que seria a visão do paraíso!
Enquanto o Steve Irwin era reabastecido com combustível, suprimentos e novos voluntários, o Bob Barker e o Gojira continuavam na região Antártica buscando pelo navio-fábrica. No dia 9 de fevereiro, o navio-fábrica foi localizado pelo Gojira, que logo recebeu a companhia do Bob Barker e foi dado início à intervenção em suas atividades, bloqueando a sua rampa de carregamento de baleias mortas. No dia 17 de fevereiro, o governo japonês ordenou que a frota baleeira retornasse ao Japão. O motivo, conforme descrito por um oficial da Agência de Pesca japonesa em comunicação com o navio-fábrica: “Não há como despistarmos as embarcações da Sea Shepherd!”. Outras declarações oficiais do governo japonês deixam claro que o motivo da retirada da frota baleeira foi a presença da frota da Sea Shepherd e suas intervenções.
Tendo caçado com pouca eficiência durante os 40 dias que estiveram na região e sendo obrigados a retornar para casa mais de um mês antes da data prevista, a frota japonesa sofreu o maior prejuízo da sua história. As baleias, por outro lado, tiveram a maior vitória. Números preliminares indicam que eles caçaram apenas 15% da cota estabelecida (para pagar os custos com a expedição, eles precisam caçar 50% da cota estabelecida). Nunca antes eles retornaram para casa to enfraquecidos e nunca antes a Sea Shepherd retornou tão fortalecida. O Capitão Paul Watson já prometeu que retornará à Antártida no próximo ano se isso for necessário, mas o que todos realmente desejamos é que o governo do Japão possa deixar essa atividade arcaica e unir-se
A tantas outras nações que, ao invés de matar, trabalham para preservar a vida desses magníficos animais. Chegará o dia em que poderemos celebrar a adesão de muitas nações à percepção do respeito merecido por todas as formas de vida. Por hora, que essa vitória pontual sirva para inspirar-nos a continuarmos lutando pelos direitos de todos os animais.