Animais x Cientificismo
Laerte F. Levai, Thales Tréz, Sheila Moura
Pesquisadores brasileiros, com a afirmação de que o uso de animais é imprescindível para a produção de novas substâncias, medicamentos e técnicas de pesquisa, parecem desacreditar na capacidade da ciência em vencer novos desafios. O argumento cientificista parece fazer uma leitura conveniente e parcial da história, defendendo equivocadamente que os resultados da experimentação animal são confiáveis ao homem.
Por que nossos cientistas gabam-se do aumento do número de mestres e doutores aqui formados a cada ano, enquanto omitem que o governo paga R$ 3.300,00 mensais para mantê-los no país? Em termos de estatísticas da chamada produção científica, vale dizer, não se deve confundir qualidade com quantidade.
A classe acadêmica procura manter sua tradição e status, mesmo que para isso tenha de se referir aos avanços em números, não em relevância científica. É um engano, porém, acreditar que a experimentação em animais tem resultados mágicos (fruto de um pensamento científico canônico) e que pode salvar vidas. Ratos, cães, macacos e outros, decididamente, não são seres humanos.
Ademais, da forma como vem sendo realizada na maioria dos laboratórios, centros de pesquisa ou estabelecimentos de ensino, a experimentação animal é uma atividade imersa na ideologia científica dominante (sem compromisso com novos valores emergentes), na qual os animais – tidos como objetos de estudo ou peças descartáveis – são tratados como se fossem criaturas eticamente neutras. Sob a justificativa de buscar o progresso da ciência, o pesquisador prende, fere, quebra, escalpela, penetra, queima, secciona, mutila e mata, perfazendo um autêntico massacre consentido. Isso tudo apesar da conhecida existência de recursos alternativos que a maioria dos vivisseccionistas nem quer ouvir falar e do dispositivo constitucional que veda a submissão de animais a crueldades.
Quanto ao PL 1153/95 (do então deputado Sérgio Arouca), que tramita há 12 anos em Brasília, seu texto é retrógrado e não tem o apoio das sociedades de proteção animal, tampouco da sociedade civil. Já o PL paralelo apresentado em 2003 pela deputada Iara Bernardi e injustamente rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça, tratava da experimentação animal de maneira bem superior, priorizando o uso de recursos substitutivos, garantindo a objeção de consciência e, ainda, vedando os experimentos repetidos cujos resultados são conhecidos do cientista.
Eventual aprovação do PL Sérgio Arouca não seria um passo derradeiro, nem sequer um avanço para a ciência. Basta lembrar que o legislador ambiental tornou crime a experimentação didático-científica em animais, quando não aplicados os recursos substitutivos existentes. Esta restrição legal contraria interesses econômicos movimentados pelas poderosas indústrias médica, cosmética e farmacêutica, além de causar preocupação àqueles que utilizam animais em pesquisas.
As informações hoje existentes sobre os índices de crueldade para com os animais submetidos à experimentação animal, bem como ao reconhecimento de que o uso animal em pesquisas é um erro metodológico capaz de prejudicar o próprio homem, levaram conceituados profissionais, sobretudo dos países desenvolvidos, a uma necessária mudança de paradigma, abolindo de vez a vivissecção. O que falta à classe de pesquisadores brasileiros, porém, é a ousadia de olhar pra frente, acreditar que é possível conciliar ética à atividade científica.