Discurso de George Guimarães na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em 22 de novembro de 2012
Discurso de George Guimarães na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em 22 de novembro de 2012 por ocasião do “Seminário Políticas Públicas, Direitos e Defesa dos Animais”. Entre os 200 presentes, deputados federais e estaduais e diversos vereadores de cidades paulistas.
Saiba mais sobre a ONG VEDDAS acessando www.veddas.org.br
O vídeo da palestra pode ser assistido no link http://www.youtube.com/watch?v=Dl82lTWkMjk
Leia abaixo a transcrição do discurso.
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Boa noite a todos! Agradeço aos deputados Ricardo Izar e Fernando Capez pelo convite para compor essa mesa durante o Seminário de Políticas Públicas pelos Animais que se realiza hoje aqui na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Agradeço também aos membros da plateia que se deslocaram até aqui hoje para participar desse espaço importante que foi aberto para o tema por essa casa de leis.
Completando os pedidos de desculpas e agradecimentos, quero adiantar que a minha fala será pouco política, mas isso talvez já fosse esperado já que não sou um político e sim um ativista. Uma dose de política é bem-vinda para a atuação do ativista, mas quanto menos dessa me for necessário, mais eu agradeço.
Adianto também que a minha fala será mais crítica do que propositiva, mas trata-se de uma provocação. Uma provocação no sentido de construirmos um movimento mais ativo e mais propositivo, inclusive no que diz respeito às cobranças por políticas públicas em favor daqueles que são o motivo da nossa atuação. A construção de um movimento crítico e propositivo deve preceder a cobrança pela criação ou implantação de políticas públicas. Aos que sentirem-se provocados, agradeço. Agradeço inclusive aos que juntamente com isso se sentirem compelidos a me desgostar como resultado dessa provocação. O meu objetivo nesse momento (e em geral também) não é ser querido pelos colegas da causa, mas sim provocá-los.
Acontece que, felizmente, deputados, eu tenho a sorte de não precisar do voto do movimento para poder continuar fazendo o que eu faço por mais 4 anos. E assim tenho a felicidade de poder militar pela causa sem necessariamente ter que agradar àqueles que militam ao meu lado. O meu foco não são as pessoas que estão comigo nessa luta, mas sim os animais e a conquista da justiça social que lhes é devida.
Nesses 10 minutos que tenho para falar, me foi pedido para falar sobre as atividades do VEDDAS e sobre políticas públicas pelos animais. Serei breve na primeira parte, sobre o VEDDAS, apenas para situar quem talvez não conheça a ONG, e dedicarei a maior parte desse tempo curto para falar sobre a minha percepção em relação À falta de políticas públicas pelos animais.
O VEDDAS é uma ONG de defesa dos direitos animais com orientação abolicionista, ou seja, não aceitamos uma “melhora” no tratamento que recebem os animais durante a sua exploração, aceitamos o fim dessa exploração como única medida plausível.
Estamos atuando há 6 anos na cidade de São Paulo e nesse semestre começamos a atuar em outras cidades pelo Brasil: Natal, Recife e Sorocaba. Somadas, estamos nas ruas 7 vezes por semana com projetos fixos de contato direto com o público, como por exemplo o VEDDAS-MÓVEL e o VEDDAS-CARTE, que são equipamentos multimídia que levam para as ruas da cidade a conscientização por meio de vídeos exibidos em vias públicas, tocando justamente aqueles que de outra maneira provavelmente não teriam tido a oportunidade da descoberta sobre o tema da exploração animal. Temos 3 unidades multimídia em operação na cidade de São Paulo e mais 3 unidades em outras cidades.
Além dos projetos permanentes, realizamos também ações esporádicas tais como protestos, intervenções, seminários e oficinas. Somente em 2011 foram 120 ações e em 2012, com mais cidades, deveremos nos aproximar de 300 ações realizadas em um único ano. Tudo isso é possível graças ao empenho dos nossos voluntários e o apoio de empresas e indivíduos sem o qual o nosso trabalho não seria possível.
Aliás, eu quero aproveitar esse nobre espaço para fazer um agradecimento público aos ativistas do VEDDAS que semanalmente estão nas ruas plantando sementes de consciência em favor dos direitos animais. Não apena sem São Paulo, mas também em Natal, Recife e Sorocaba, contando com centenas de ativistas que deixam o conforto do seu lar e dedicam uma parte substancial do seu tempo de lazer e descanso para estarem nas ruas em contato com o público. Para se ter uma ideia, nos próximos 30 dias realizaremos 50 atividades, o que é quase que duas atividades por dia. Todas elas em contato direto face-a-face com o público. É graças a esses bravos e bravas ativistas que podemos realizar tanto. Alguns deles fazem isso ininterruptamente há mais de 4 anos e estão sentados nessa plateia hoje, para que saibam caso desejem demonstrar a sua apreciação pelo trabalho deles com os seus aplausos.
E que esses aplausos sejam estendidos também a tantos outros ativistas dedicados que existem pelo Brasil e pelo mundo.
Nas oficinas de capacitação que ministramos para os voluntários do VEDDAS, eu sempre aponto que há três fases facilmente identificáveis no desenvolvimento de um movimento social: são as fases de alerta, de discussão e de reforma. O entendimento sobre essas três fases é essencial para podermos compreender onde nos encontramos enquanto movimento e para cada tema sendo tratado pelas nossas campanhas.
O estágio de alerta é aquele onde o público ignora totalmente a questão e é nosso dever fazer com que ela se torne conhecida. Nesse estágio são eficientes protestos, greves de fome ou qualquer ação que gere atenção sobre o tema.
No estágio de discussão, a população já está disposta a se aprofundar na discussão sobre o tema. A produção de informação é a principal ferramenta nesse estágio. Diferente do estágio de alerta onde encontramos principalmente indiferença, no estágio de discussão encontramos resistência dos nossos opositores.
Já no estágio de reforma, temos a concordância do público, que aceita a necessidade de mudança de comportamento para enfrentar o problema agora percebido como tal, mas nem sempre o público age em concordância com tal percepção. É aqui, e somente aqui, que são viáveis as políticas públicas.
O que pretendo apontar aqui é que a atuação do estado, do legislador, somente começa quando a questão é levada a esse terceiro estágio. E não é deles a responsabilidade em fazer com que o assunto chegue ao estágio de discussão. Essa responsabilidade é dos setores da sociedade civil que se propõem a alertar a sociedade e a promover a discussão sobre o problema percebido. Trabalhar a reforma é apenas o caminho natural. É o final e não o início do caminho.
O que me leva a refletir sobre a essência da fraqueza que verificamos em nosso movimento. Devemos colocar sobre os parlamentares a responsabilidade pela resolução dos problemas que percebemos? Qual deveria ser o nosso papel, além de cobrá-los? Temos cumprido esse papel? Mais do que isso, podemos realmente esperar deles a responsabilidade e postura necessárias para atender a nossa demanda? Nós sabemos o que queremos, muitos de nós temos claros os nossos objetivos nessa luta. Mas quando passamos essa responsabilidade para os parlamentares, pulando etapas, como se tudo pudesse ser resolvido no estágio de reforma, com o que podemos de fato contar?... Quantos parlamentares que contamos para representar os animais aboliram do seu estilo de vida o consumo de produtos de origem animal? Eu diria que dá para contar nos dedos de uma mão.
Mesmo entre os parlamentares comprometidos, os desafios que eles enfrentam para poder levar adiante temas como os que nós defendemos são muitos. E qual é a nossa responsabilidade sobre essa dificuldade que eles enfrentam? É principalmente termos pulado as etapas anteriores, ou seja, não termos criado a mobilização necessária (estágio de alerta), não termos promovido a conscientização que faz gerar a demanda partindo da sociedade civil além do movimento, como um todo.
Eu vejo boas iniciativas. Mas elas são poucas. E quando vão adiante na forma de leis, elas sofrem na sua execução pelo poder público. Ou levam anos, muito mais anos do que deveriam levar, para serem aprovadas.
O projeto de lei que proíbe a utilização de animais em circos é fruto de mais de uma década de luta. Faz 4 anos, 4 anos deputados, que eu fui à Brasília portando 100 mil assinaturas que pediam o fim do uso de animais em circos. Foi na votação da comissão de educação e cultura. Com pressão de ambos os lados, saímos vitoriosos. O PL foi aprovado por unanimidade nessa que seria a última comissão a ser votada, e também a mais crítica. Faltaria agora apenas a votação no Plenário da Câmara. Enquanto o Congresso Nacional se ocupava nesses últimos 4 anos em aprovar a famigerada Lei Arouca que legitima a experimentação animal em todo o território nacional, a qual também combatemos por meio de protestos em diversas cidades, coleta de assinaturas, visitas à Brasília, enquanto o Congresso Nacional se ocupou em estuprar o então Código Florestal em nome do agronegócio, que agora deveria ser mais apropriadamente chamado de “Código Ruralista”, enquanto se ocupou de tirar mais alguns dos direitos dos povos indígenas, entre tantas outras barbaridades, continuamos esperando para que o projeto de lei que proíbe o uso de animais em circos seja colocado em votação no Plenário da Câmara dos Deputados. Não há mais discussão a ser feita, e o lobby da indústria dos circos não é forte. Estivemos em Brasília em 04 de outubro do ano passado por ocasião do lançamento da Frente Parlamentar dos Direitos Animais, promovida pelo senhor deputado, onde o Presidente da Câmara, Marco Maia, nos garantiu que colocaria o PL em pauta o quanto antes. Já se passaram 14 meses. Enquanto isso, os animais em circos, que têm a demonstrada solidariedade da população, que tem o documentado repúdio dos deputados que participaram das comissões no Congresso Nacional, que têm anos de história de luta das entidades de defesa animal, esses animais continuam sendo explorados diariamente, vivendo vidas escravas e miseráveis, tendo como aliados práticos apenas a sua insanidade, que é o que resta a eles como mais próximo de uma fuga da sua condição de quase vida. Mesmo com todo o apoio da sociedade, ainda falta um voto para acabar com a sua miséria. Mesmo com tantos compromissos assumidos em Brasília, ainda falta um voto. Depois de uma década lutando e conquistando outros votos, há 4 anos nós, eles, esperam por esse voto.
Onde é que tanto erramos para que uma situação como essa seja passivamente aceita como “parte” do processo político?
No ano passado, por duas vezes, fomos surpreendidos com a inclusão na ordem do dia do PL que busca descriminalizar os maus-tratos cometidos contra animais domésticos. Ás pressas, e com os poucos recursos e parcerias de que o movimento dispõe, conseguimos fazer com que essa votação fosse retirada da ordem do dia. A única proteção legal de que os animais domésticos dispõem, no artigo 32 da Lei 9.605, e que afeta indústrias como a dos rodeios e outras atividades bárbaras que não têm mais lugar no século XXI, essa proteção é ameaçada a cada dia que amanhece. Tendo vivido o surpresa da inclusão desse PL na ordem do dia e a tomada de providências que forma necessárias, mais de um ano depois, não passa um dia sem que eu me preocupe com a possibilidade dessa surpresa poder acontecer novamente naquele dia.
Onde foi que erramos para que uma conquista de décadas de luta e que ainda assim vem de maneira tardia, possa ser ameaçada por nossos parlamentares de maneira tão simples?
Eu tenho algumas hipóteses para isso. Nós, defensores dos direitos animais, olhamos para o cenário e percebemos o problema. Ele é claro aos nossos olhos. Mas será que erramos ao esperar que políticas públicas sejam criadas e, mais importantemente, colocadas em prática, aceitas pela sociedade, baseando-nos apenas na simples detecção do problema? Eu entendo que sim, erramos. Erramos ao esperar que a população enxergue, sem muito esforço, o mesmo que nós enxergamos. O que quero dizer é que precisamos, antes de qualquer coisa, fazer abrir os olhos de uma parcela significativa da população. Precisamos atuar na conscientização, quebrar paradigmas, criar, ousar, alcançar a sociedade, mas sobretudo, alcançar a nós mesmos.
Precisamos discernir os ativistas reais daqueles que emprestam a palavra “ativista” como sobrenome em seus perfis digitais, pois para ser considerado um ativista é preciso fazer mais do que organizar um piquenique por mês, um protesto por ano, ou fazer bravatas sobre “o que faria se”. Esse é um dos principais erros de percepção que assolam o nosso movimento.
Compreendam, quem faz “o mínimo”, quem faz “quando pode” ou “quando dá”, não é um ativista, mas o que eu chamo de “hobbista”, que é aquele que tem o ativismo como hobby, ou como uma droga para aliviar-se com a sensação de “estar fazendo algo”. São “ativistas” para sentirem-se melhor consigo próprios e não para causar mudanças.
Sendo assim, o que lhes resta? Reclamar. Reclamar da sociedade e, é claro, dos legisladores. Sobretudo dos legisladores. Cobrar a implantação imediata de políticas públicas que ponham um fim definitivo ao problema. Sem se darem ao trabalho de educar, de criar, de mobilizar, de ter que exercer alguma forma de lobby político, seja ele direto ou como reflexo do trabalho nas ruas. Muito menos darem-se ao trabalho de mobilizar a sociedade civil para dar a dimensão e visibilidade devidas ao problema que enxergam. Nada disso. O problema está aí e se alguém tem que fazer alguma coisa, esse alguém são eles, os políticos.
Onde foi que erramos tanto para chegar a um entendimento social onde os políticos são os que ganham para resolver os problemas enquanto os outros membros da sociedade ganham para poderem exercer o papel de consumidores? Limitando-se ao papel de distraírem-se comprando um televisor maior e sentando confortavelmente no sofá para receber a sua dose diária de alienação televisiva. Quando foi que perdemos por completo a noção de mobilização social, de revolução social se necessário for? De fazermos, por nós próprios, aquilo que não está sendo feito como resposta às nossas cobranças?
É claro que há algo de errado nessa percepção sobre os papéis de cada membro da sociedade.
Com todo respeito deputados, e sei que vocês concordarão comigo pois entendem onde eu quero chegar com esse raciocínio, mas a sociedade não está na Assembleia Legislativa, não está na Câmara Municipal e não está no Congresso Nacional. Ela está em cada um de nós, e para que sejamos ouvidos, precisamos atuar. Algumas centenas podem sensibilizar alguns milhares, que por sua vez podem sensibilizar milhões. E com alguns milhões, podemos começar a conversar de igual para igual com os 400 que estão em Brasília ou com os 94 que ocupam essa casa.
Como vocês podem perceber, sim, eu vejo graves erros na criação e condução das políticas públicas em favor do meio ambiente e dos animais. Mas eu não responsabilizo os parlamentares por esses erros, pois nós temos falhado enquanto ativistas e sociedade civil organizada.
Mas para não dizer que não os responsabilizo ao menos em parte , cito como exemplo a bancada ruralista, que tem uma agenda muito clara e que serve aos interesses de poucos enquanto afeta a vida (e principalmente a morte) de muitos animais humanos e não humanos. Mas novamente, eles somente estão lá governando para alguns poucos porque foram muitos os que os colocaram lá. Mais uma vez, falhamos enquanto sociedade. Falhamos em mobilizar, em educar, em darmos o exemplo. O erro parte da nossa falta de mobilização e ação social, o que para mim está claramente relacionado à nossa falta de vontade e de coragem para mudarmos a situação.
Ainda assim, alguns poucos fazem. Por serem poucos e por trabalharem relativamente isolados, quando bem-sucedidos tornam-se alvos ou mártires. Porque com seu trabalho, mesmo diante da aparente “falta de preparo” da sociedade e a despeito da falta de vontade de outros, conseguem causar incômodo suficiente, tomando para si o trabalho que deveria estar sendo feito por muitos. Esses sabem por certo que a hora de atuar é agora.
Já os que se mantêm apegados ao sofá, ou à conveniência de sair dele somente na medida em que isso não incomodar o suficiente ao ponto de estarem colocando a sua segurança em risco, sem se prestarem a sacrificar o seu tempo de lazer ou da família, sem prejudicarem o seu trabalho ou carreira, esses são os que defendem que as políticas públicas são a única solução.
São necessários sim, parlamentares com qualidades de coragem e comprometimento com a causa, mas ainda assim, eles apenas implementam as demandas criadas pela sociedade. Antes de querermos definir as nossas demandas, precisamos definir algumas das nossas necessidades. Não me refiro a uma lista de necessidades de recursos materiais. Refiro-me ao que precisamos “ser” antes de querermos ver os nossos anseios atendidos por aqueles que assinam as políticas públicas em favor dos animais.
Mas eu tenho sim uma lista.
1) Precisamos nos tornar ativistas. Mais do que ativistas, precisamos nos tornar um movimento, um movimento de fato. Não precisamos nos tornar um movimento único. Isso não apenas é utópico, mas é irreal e para falar a verdade, é completamente desnecessário. Precisamos ser um movimento que seja diverso nas suas estratégias, complexo na sua integração, e ao mesmo tempo claro em seus objetivos e demandas. O que não é diferente do que qualquer outro movimento de justiça social. Apesar de muitos que atuam nesse movimento não se darem conta disso, somos, ou deveríamos ser, um movimento de justiça social, não muito diferente de outros movimentos que podemos facilmente reconhecer como tal.
2) Precisamos de menos ativistas de redes sociais e mais ativistas de rua. Seja em qual era for, os movimentos nascem, crescem e reproduzem-se nas ruas. E ali morrem no momento em que atingem os seus objetivos, quando deixam de ser necessários. Não há um fenômeno de movimentos peculiares à era digital! O que há é um fenômeno de confusão sobre o que é um movimento, confusão prevalecente na era digital.
3) Precisamos que aqueles que vestem camisetas da ALF em uma demonstração de apoio deixem de apoiar a ALF… sim, deixem de apoiar a ALF e tornem-se a própria ALF. Que deixem de admirar quem é para assim fazerem o necessário para ele próprio ser. Muitas vezes eu vejo nos eventos relacionados aos direitos animais um desfile de camisetas em apoio à ação direta (sim, declarar-se simpático à ação direta é sexy… e funciona, eu mesmo já pude comprovar isso muitas vezes). Mas ao mesmo tempo em que vejo centenas de pessoas usando camisetas de apoio, sem mencionar as milhares de imagens contendo a sigla nos álbuns nas redes sociais, damos conta de apenas cinco, isso mesmo, CINCO ações da ALF no Brasil na última década. Eliminando as alegações de ações que não passam de piadas e considerando as que podem de fato ser classificadas como uma ação da ALF por seguirem os seus preceitos, podemos contar o número de ações em uma única mão. E ao analisar essas ações, mesmo tendo ocorrido em diferentes estados, é plausível sugerir que elas tenham partido da mesma célula, ou seja, do mesmo grupo de indivíduos, ou ao menos tendo um dos indivíduos em comum. O que me leva a concluir que temos apoiadores demais para ações de menos. Por isso eu digo: deixem de apoiar moralmente as ações nas quais acreditam e tornem-se a própria ação.
4) Dando continuidade à nossa lista de necessidades: precisamos de menos veganos e mais ativistas. Caso eu não tenha sido claro, enfatizo: ser vegano não é ser ativista. Ser vegano é nada mais do que fazer o mínimo necessário. Para facilitar o entendimento, eu gosto dessa analogia: é tão mínimo quanto esperar que o marido não agrida fisicamente a sua esposa. Não há mérito algum por ter respeitado essa premissa básica de não machucar. Isso é apenas o esperado. Ser vegano é respeitar a premissa de não causar mal, nada mais do que isso. Portanto sinto decepcionar a quem é apenas vegano, mas vocês não são ativistas simplesmente por serem veganos. Ser vegano pode ser não fazer parte do problema, mas não é necessariamente fazer parte da solução. Se você quer ver a situação para os animais mudar, terá que fazer mais do que não causar o problema. Terá que agir, tornar-se um ativista. Ninguém é obrigado a ser um ativista, mas não saia batendo no peito dizendo que faz algo pelos animais só porque é vegano. Você apenas não faz algo contra os animais, o que é bem diferente de estar fazendo algo a favor dos animais. Não existe um movimento vegano. Existem sim clubes veganos, círculos veganos, nichos de mercado veganos. Mas isso faz de você um consumidor especializado e não parte de algum movimento. Nada me causa mais náuseas dentro do movimento do que observar que há quem se diga um ativista pela causa e quando olhamos, vemos apenas um discurso totalmente focado em criar mercado, gerar mercado, expandir mercado, conquistar direitos enquanto “vegetarianos”. Reduzem o movimento pelos direitos animais a um movimento pelos “direitos dos vegetarianos”. Inversão maior, impossível. É por isso que eu digo que precisamos de menos veganos e de mais ativistas, pois uma coisa não está necessariamente relacionada à outra.
5) Àqueles que supostamente militam pela causa animal (seja tratando diretamente de animais em necessidade, o que é uma atividade digna do meu mais profundo reconhecimento, seja educando a população nas ruas ou ainda operando projetos de lei dentro das casas legislativas) e ainda não conseguiram desapegar-se dos produtos que são a causa majoritária da exploração de bilhões de animais sencientes a cada ano nesse planeta, apenas posso pedir para que despertem e encontrem o sentido da palavra coerência. Garanto que quando tiverem dado esse passo vocês não apenas se sentirão mais completos como também perceberão que não foi tão difícil quanto poderiam pensar.
Estou fazendo essa provocação a vocês para que entendam que, quando vocês reclamam das políticas públicas, ou da postura da sociedade em relação aos animais, a situação não muda porque “a situação” está aguardando você mudar. E isso vem antes de fazer algo para que ela mude. Primeiro mudamos a nós mesmos e somente depois trabalhamos para mudar aos outros. Repito: não fazer parte do problema, não é necessariamente fazer parte da solução.
Podemos sim cobrar, desde já, aquilo que já conseguimos construir até aqui.
As minhas considerações foram feitas a partir da percepção de que o nosso movimento está direcionado para atuar na fase legislativa (ou estágio de reforma) quando há ainda tantos temas que precisam ser desenvolvidos nas fases que necessariamente precedem a essa, que são as fases de alerta e de discussão. Com isso, para tocarmos profundamente a sociedade e assim podermos cobrar de casas como essa as mudanças que enxergamos como sendo necessárias, precisamos antes mudar enquanto indivíduos, enquanto ativistas e enquanto movimento.
Agradeço por terem escutado.
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Discurso proferido por George Guimarães, ativista e presidente da ONG VEDDAS, em 22 de novembro de 2012 na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em 22 de novembro de 2012 por ocasião do Seminário “Políticas Públicas, Direitos e Defesa dos Animais”. Entre os 200 presentes, deputados federais e estaduais e diversos vereadores de cidades paulistas.
O vídeo da palestra pode ser assistido no link http://www.youtube.com/watch?v=Dl82lTWkMjk