Relatório da conferência de direitos animais 2009 nos EUA

George Guimarães, presidente do VEDDAS – Vegetarianismo Ético, Defesa dos Direitos Animais e Sociedade

Mais de 900 participantes, vindos de diversos países, reuniram-se de 16 a 20 de agosto de 2009 em Los Angeles, EUA para participar da Animal Rights National Conference, que é a maior e mais antiga conferência de direitos animais do mundo. Iniciada em 1981 por Alex Hershaft, fundador e presidente da organização FARM, a vigésima edição da conferência teve duração de cinco dias e contou com um total de 120 palestras, proferidas por 105 palestrantes, além da exibição de mais de 60 vídeos, incluindo alguns lançamentos inéditos. A presença de 90 expositores completou o ambiente de troca de informações e experiências entre os presentes.

Relatar a experiência de participar de uma conferência de direitos animais desse porte, que conta com a presença de ativistas lendários e que está inserida no contexto de um movimento que está alguns anos à frente do nosso, não é tarefa fácil. Mesmo sendo o quinto ano consecutivo em que tenho a honra de participar como palestrante, essa reunião anual continua a me tocar de maneira muito positiva e inspiradora. Do relato de campanhas inéditas e bem-sucedidas à revisão crítica de estratégias que se mostraram ineficientes, o aprendizado e o crescimento estão por todos os lados.

Um dos tópicos que vem sendo destaque das discussões nos últimos anos é a atual repressão estatal sofrida pelos ativistas pelos direitos animais na Europa e nos EUA. Isso ganhou importância especial a partir de 2007 com a aprovação nos EUA da AETA (Animal Enterprise Terrorism Act), uma lei federal que enquadra como sendo um ato de terrorismo qualquer ação direta que cause prejuízos econômicos para as empresas que exploram animais, sujeitando assim os ativistas envolvidos às formas de investigação e punição com que são tratados quaisquer outros atos de terrorismo. Diante disso, muitos tiveram as suas atividades afetadas e alguns desses ativistas enocntram-se presos e condenados.

Darius Fulmer e Peter Young são dois ex-prisioneiros políticos que estavam presentes na conferência desse ano. Apesar de terem sido condenados em um período anterior à AETA, com base portanto em leis mais brandas, eles são um exemplo do atual estado de repressão aos ativistas pelos direitos animais em efeito no país. Darius é um dos condenados do caso conhecido como SHAC7, que levou à cadeia seis ativistas com penas que variaram de um a seis anos e causou o banimento da organização SHAC (Stop Huntindon Animal Cruelty), cuja campanha objetivava encerrar as atividades do notório laboratório biomédico HLS (Huntindon Life Sciences), responsável pela morte diária de 500 animais que são submetidos a experimentos científicos. Tudo que os ativistas do SHAC fizeram foi protestar de maneira legal e divulgar informações sobre o que ocorre por trás das portas fechadas dessa instituição. Por suas ações, foram condenados e levados para prisões federais, onde cinco deles permanecem até hoje.

Com a aprovação da AETA, o cenário de perseguição apenas agravou-se e com isso muitos ativistas e advogados passaram a trabalhar no sentido de criarem a força política necessária para se mobilizarem pelo cancelamento dessa lei. Em um pronunciamento gravado exibido durante uma das sessões plenárias da conferência, o congressista vegano David Kucinich dirigiu-se aos participantes da conferência anunciando que apresentará ainda esse ano um projeto de lei que tem como propósito justamente a anulação da AETA.

Toda essa energia despendida com o único propósito de coibir os ativistas pelos direitos animais de continuarem agindo com a eficiência com a qual tem sido possível observar nos últimos tempos é senão um sinal da eficiência que o movimento conquistou nesse país: se há um contra-ataque, é porque há o reconhecimento de um ataque, e esse só pode ser reconhecido quando o seu impacto é significativo. E com isso as conquistam só tendem a continuar, uma vez que o enfrentamento da resistência faz aumentar a coesão e força do movimento. Ainda sobre o grupo SHAC, Camille Hankins, uma das pessoas mais adoráveis e corajosas a quem já tive o prazer de conhecer, responsável pelo grupo W.A.R. (Win Animal Rights) e porta-voz (ao lado de Jerry Vlasak) da North American Animal Liberation Press Office (Assessoria de Imprensa da Libertação Animal na América do Norte), anunciou a retomada do grupo, que agora atuará sob o seu comando e mantendo o mesmo objetivo: fechar o maior laboratório de vivissecção do mundo.

Considerando que a campanha contra a HLS levou alguns ativistas a julgamento e condenação em tempos recentes, havemos de convir que o anúncio de dar continuidade a essa mesma campanha é uma atitude louvável. Sobretudo, é uma demonstração de que os ativistas que lutam de maneira sincera e dedicada pela libertação animal não se deixam frear diante da repressão organizada levada a cabo pelo aparato estatal e controlada pelos interesses das grandes corporações que lucram com a exploração e morte de bilhões de animais sencientes todos os anos.

Enquanto não fecham as portas de uma vez por todas, as campanhas dirigidas ao laboratório HLS já os impossibilitou entre outras coisas de conseguirem abrir uma conta bancária no país e até mesmo de contratar uma empresa de segurança, uma vez que todas as empresas que se põem a lhes prestar um serviço tornam-se prontamente alvos de ativistas que se tornaram especialistas em se tornarem um pesadelo de relações públicas para essas empresas. Também como resultado de ações dos ativistas pelos direitos animais, a HLS teve recusado o processo para ser listada na bolsa de valores de Nova Iorque (apesar de isso ter sido conseguido algum tempo depois, mas atualmente correndo um sério risco de serem removidos da bolsa de valores). A empresa estuda atualmente uma proposta de aquisição que os livraria da falência eminente.

Seja nas campanhas grandes e de longa duração ou nas ações curtas e de resultado imediato, o contato com os ativistas presentes na conferência possibilita encontrar exemplos de ações bem-sucedidas de libertação animal que atendem a todos os gostos. Peter Young, que saiu da prisão em 2007 após ter cumprido uma pena de quase dois anos acusado de ter libertado animais aprisionados em fazendas de peles nos EUA, reforçou a apresentação de seus cálculos que mostram que o tempo que passou preso representou menos de 2 horas para cada animal libertado, o que, segundo ele, é um tempo mais do que tolerável diante do resultado de suas ações, que foi o de uma vida inteira de liberdade para os animais que libertou. Ele apresentou ainda outro cálculo, baseado em um levantamento que fez de todas as ações da ALF (Frente de Libertação Animal) relatadas nas últimas duas décadas e o número de prisões a que elas levaram, mostrando que o risco de ser preso por essas ações é inferior ao risco de se envolver em um acidente com automóvel. Ele concluiu o raciocínio dizendo que esse risco, tomado em nome de algo que ele considera ser muito valioso, não é grande se comparado aos riscos cotidianos que a pessoa comum está disposta a correr.

Patrice Jones, ativista que atua nos movimentos feminista, social e pelos direitos animais, lembrou aos presentes que “as ações pelos animais devem ser pelos animais”, fazendo um convite à reflexão sobre quais ações ou caminhos realmente servem aos interesses dos animais. Ela questiona quando por vezes os ativistas que se dizem pelos animais ficam tão ocupados defendendo esse ou aquele grupo, ou ainda debatendo sobre o nosso ponto-de-vista particular, que acabam negligenciando aquilo que realmente importa para os animais, que é aquilo que de fato acontece a eles e não aquilo em que gastamos horas debatendo… e apenas debatendo. Além desse convite, Pattrice também apontou para a importância de formarmos coalizões com outros movimentos, como o movimento contra a pobreza, já que a pobreza limita a capacidade do indivíduo de fazer escolhas voluntárias e conscientes em relação aos seus hábitos de consumo ou até mesmo de recusar um emprego degradante como é o trabalho em um matadouro, por exemplo. Ela também apontou para a importância de alcançarmos outras causas sociais (direitos dos negros, das mulheres, das crianças) e ambientais, destacando a relação existente entre esses movimentos e a causa animal.

O capitão Paul Watson, fundador da Sea Shepherd Conservation Society, grupo de ação direta que atua em defesa dos oceanos, nos contou sobre o sucesso de sua campanha para impedir a caça de baleias pela frota japonesa em águas internacionais da Antártida, um trabalho que está sendo desempenhado com muita coragem e sucesso. Sua forma de intervenção é sempre pouco convencional e polêmica, consistindo basicamente do ataque direto aos navios que se colocam em atividade de caça e pode variar desde a colisão direta do seu navio contra os navios japoneses até o lançamento ao convés dos navios inimigos de substâncias irritantes ou escorregadias. A batalha que se dá em águas hostis da Antártida, realizado sob condições climáticas extremas, com recursos escassos e equipamentos que raramente estão em seu melhor estado de conservação, não é um “oceano” de rosas. A tripulação que se aventura a enfrentar a frota japonesa é composta por voluntários de todo o mundo e não é a mais bem qualificada para as tarefas exigidas a bordo, mas certamente é a mais disposta a enfrentar o inimigo que se apresenta muito bem equipado para a tarefa de matar baleias usando arpões com pontas munidas de explosivos e cuja hostilidade contra o grupo conservacionista tem aumentado a cada ano. Para citar um exemplo, durante a penúltima ofensiva que ocorreu há menos de dois anos, Paul Watson foi baleado durante um dos confrontos em alto-mar e na última campanha a tripulação foi alvo de granadas atiradas pela guarda-costeira japonesa, que desde o ano passado passou a tripular as embarcações com a tarefa de proteger a frota japonesa contra os ataques do grupo. Ainda como forma de “defesa” contra a embarcação do Sea Shepherd, a tripulação inimiga tem lançado objetos capazes de causar graves ferimentos aos ativistas que se põe em combate a 14 dias de navegação do foco civilizatório mais próximo (e, consequentemente, do socorro médico mais próximo).

Mesmo diante de tantas adversidades e graças às suas táticas inovadoras, a campanha do Sea Shepherd em defesa das baleias em território Antártico foi responsável por impedir, somente nos dois últimos anos, a morte de quase mil baleias, custando à indústria baleeira milhões de dólares e colocando toda a indústria à beira de uma falência completa e definitiva: sendo essa a única frota baleeira em operação no mundo, isso significará a extinção completa dessa atividade. Mas antes que (ou para garantir que) isso aconteça, a próxima expedição em defesa da fauna oceânica partirá em dezembro. Enquanto se acostuma com a ideia de ter que desempenhar funções nunca antes praticadas a bordo de um navio subjugado pela força da água cuja temperatura que gira próxima a zero grau, o ativista que vos escreve já se encontra devidamente inscrito no processo seletivo de voluntariado, aguardando ansiosamente pela resposta que o levará a passar um período de dois meses em condições pouco favoráveis na região menos explorada do nosso planeta. Não apenas pelas baleias, mas por todas as formas de injustiça às quais pude abrir os meus olhos, caso um dia meus netos me perguntem o que eu fiz no tempo em que os seres humanos assistiam estáticos ao seu próprio processo de suicídio planetário, quero poder dizer a eles que eu saí da minha zona de conforto para fazer a diferença e impedir que isso acontecesse.

Perdidos em nossos afazeres diários, somos incapazes de perceber o quão insignificante é o nosso suposto martírio na luta pelos direitos animais quando colocado em perspectiva o martírio a que são submetidos os bilhões de animais que são explorados e mortos anualmente com o mero propósito de satisfazer a interesses humanos. Deixamos também de perceber o quão insignificante pode ser a nossa existência quando deixamos de tirar dela o potencial significativo que somente ganha expressão quando a nossa existência é capaz de deixar um legado ao futuro da nossa própria espécie e do planeta que habitamos. O que nos leva de volta à insignificância de nossa existência: o fato é que, por mais que façamos da nossa existência algo significativo para o momento atual, dentro de duas ou três gerações não será importante saber qual pessoa, grupo ou movimento foi responsável pelas conquistas que levaram a humanidade até esse momento futuro. Bastará aos nossos descendentes saber quais foram as adversidades outrora enfrentadas e quais foram as soluções que se mostraram eficientes, com o simples intuito de tirar disso as lições necessárias para enfrentar os desafios presentes nesse momento futuro.

É nesse momento crucial da história desse planeta, onde a luta pela libertação animal está no centro de todas as lutas e causas que ameaçam a sobrevivência da nossa e de incontáveis outras espécies, que escolhemos viver a nossa insignificante existência. Resta agora a cada um fazer as suas escolhas para que essa incontornável insignificância possa resultar em um legado com significância – pois é aqui que reside a única possibilidade de termos uma existência que verdadeiramente importe aos seres viventes que habitarão esse planeta em um futuro próximo.

 

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