O fim da experimentação animal: certo, apesar de adiado
George Guimarães
VEDDAS – Vegetarianismo Ético, Defesa dos Direitos Animais e Sociedade
Foi especialmente interessante ter atuado nesse momento peculiar da luta pelos direitos animais no Brasil. Pude ver cientistas que matam animais por motivos econômicos alegarem estar interessados no bem-estar desses que por suas mãos perdem a vida. Pude ainda observar o quão recorrente é argumentação baseada na falsa necessidade do uso de animais para o avanço da ciência, alegação essa que, infelizmente, ainda é bem aceita pela sociedade.
Pude ver legisladores eleitos com a plataforma da proteção animal corroborando o discurso dos cientistas e de outros interessados na manutenção desse modelo arcaico que agora tem prorrogado o seu tempo de vida. Os legisladores que tiveram o apoio da comunidade que leva a bandeira da defesa animal tiveram um papel muito importante para esse resultado negativo, pois ao calarem-se (ou em alguns casos posicionarem-se favoráveis ‘=’a aprovação da lei) passaram a errônea mensagem de que os defensores dos direitos animais estão de acordo com o desfecho sucedido. Não estamos!
Terá sido tudo uma grande confusão ou uma importante lição? Acreditar na primeira seria o erro mais grave e também o mais ingênuo, pois o que está acontecendo é nada menos do que o escancarar da incoerência, tanto do lado dos que vivem à custa do modelo animal quanto dos que defendem meias soluções para atenuar o seu flagelo. Todo o incidente serviu para deixar ainda mais clara a deficiência que o movimento de defesa animal tem em sua representação no poder legislativo desse país, haja vista que aqueles que dizem representar a voz dos animais exerceram o seu poder para favorecer os opressores, fortalecendo-os ainda mais ao regulamentar a falácia que é a pesquisa com animais, e o fizeram sem contestação, simplesmente aceitando o falso argumento de que a aprovação dessa lei reduziria o sofrimento dos animais encarcerados em laboratórios. Apesar da falta ter sido mais grave entre os que usam a bandeira da defesa animal, o descaso e a parcialidade na escuta prevaleceram entre todos os legisladores.
Em outros tempos, já foi possível aos vivisseccionistas fazerem aquilo que bem entendessem com os animais entre as quatro paredes de seus laboratórios, sem que houvesse qualquer interferência da opinião pública. Hoje, isso já não é mais possível. Foi em 1977 que Henry Spira conduziu pela primeira vez uma campanha para acabar com os testes em animais em uma instituição. A sua campanha foi bem-sucedida já naquela época. Na década de 80, o assunto veio a público pela primeira vez por via televisiva, quando a imprensa divulgou de maneira inédita as imagens do interior de um laboratório de vivisseção.
Já nesse primeiro momento, houve o questionamento sobre o sofrimento imposto aos animais e sobre o nosso direito em utilizá-los para fins didáticos ou científicos. Mais adiante, somou-se a isso o questionamento ativo sobre a validade desses experimentos para a saúde humana. Quase 30 anos depois, em um debate inédito no Brasil, o legislativo federal dá um enorme passo em direção ao retrocesso, contrariando as tendências legislativas que podem ser observadas em países com legislação mais avançada.
Retrocedemos nós, toda a sociedade brasileira, e a decisão foi tomada por poucos sem que todos os lados do debate houvessem sido escutados. Mesmo tendo procurado os legisladores e munidos do apoio de 23 mil cidadãos que expressaram por meio de um abaixo-assinado o seu pedido pela não-aprovação da lei, fomos ignorados em ambas as casas legislativas de nosso país.
Durante a fase de debate mediada pela imprensa, pudemos observar a já esperada retórica terrorista na defesa dos interesses dos vivisseccionistas, a mesma utilizada desde sempre e até hoje para encobrir as suas falácias e métodos obscurantistas, sob a falsa alegação de que o modelo animal traria avanços insubstituíveis para o bem da humanidade. Ao mesmo tempo, eles muito convenientemente se esquecem de considerar as falhas do modelo animal, as quais certamente sobrepõem-se aos benefícios alegados. Indo além, alegam a falta de métodos substitutivos, falta essa que existe justamente em decorrência da sua própria falta de interesse em desenvolvê-los. A quem mais caberia o desenvolvimento dessas alternativas se não aos próprios cientistas? Os defensores dos direitos animais colocam o problema ético e cabe aos cientistas buscar as soluções ao problema exposto. Ainda assim, para muitos casos, os modelos substitutivos já existem, mas esses nem sempre lhes são convenientes do ponto de vista econômico, especialmente quando, além dos próprios indivíduos, falamos também da indústria. Sobretudo, não lhes é mais conveniente do ponto de vista do comodismo e do desenvolvimento profissional, pois para migrar para os modelos de experimentação com métodos substitutivos eles teriam que reaprender e isso lhes custaria tempo, dinheiro e, acima de tudo, uma mente aberta à mudança.
O abaixo-assinado divulgado pelo VEDDAS pedindo a não-aprovação do projeto de lei 1.153/95, a Lei Arouca, que regulamenta a experimentação animal, recebeu 5.000 assinaturas em apenas 24 horas, chegando a 13.000 assinaturas em apenas 5 dias e 20.000 assinaturas em apenas 3 semanas. Em contrapartida, o abaixo-assinado de teor oposto, organizado por uma entidade que defende os interesses dos vivisseccionistas e que pedia urgência na votação do referido projeto de lei, conseguiu reunir, ao longo de 3 meses, 3.500 assinaturas apenas. Isso significa que a opinião pública contrária à aprovação do projeto de lei obteve um apoio popular 4 vezes maior em apenas um sexto do tempo. Considerando a falta de recursos de que dispõem os grupos de defesa dos direitos animais, cuja estrutura é incomparavelmente inferior à das indústrias que lucram com a exploração animal, temos que essa expressão popular seria ainda maior se fosse ajustado esse jogo de forças.
A expressiva opinião popular contrária à experimentação animal que pode ser constatada nos resultados de pesquisas conduzidas pelos veículos de comunicação nesses meses de debate e também pelos abaixo-assinados divulgados (23.000 contra a lei versus 3.500 a favor da lei) é mais um dos reflexos de estar cada vez mais evidente a falácia e inadequação do modelo animal. Esse refinamento da opinião pública demonstra também a percepção ética que felizmente tem crescido em nossa sociedade, em especial no que diz respeito à sensibilidade com relação aos animais. Infelizmente, influenciados pela soberba do discurso dos cientistas, os parlamentares se mostraram indispostos a escutar a opinião de outros representantes dessa nossa sociedade dita democrática.
Ainda há muitas etapas a serem conquistadas e o objetivo que buscamos não se resume a esse desfecho relativo à aprovação da Lei Arouca. Sempre chega o momento quando os argumentos falsos e as alegações falhas são colocados frente a frente com as verdades consistentes. No que tange à vivisseção, do ponto de vista da ética, esse momento é chegado. O obscurantismo por detrás dessa poderosa estrutura econômica não pode mais sustentar-se diante dos olhos da ética. Essa estrutura que subjuga outras espécies e apenas assim é capaz de perpetuar o modelo vigente (um modelo que lucra com a doença e não com a saúde, que adia as descobertas ao invés de desvende-las) está fadada a ser extinta. Infelizmente, confrontado com os interesses políticos e econômicos vigentes, pudemos constatar que esse momento foi temporariamente adiado. Mas como acontece com todos os movimentos de justiça social, quando chega o tempo da mudança impulsionada pela ética, o tempo da mudança política e econômica, inexoravelmente, não tarda a chegar. Eu tenho a certeza de que verei essa mudança acontecer ainda no meu tempo de vida.
Evidenciando a progressão em direção à fatalidade, situações confusas como a atual começam a configurar-se: vivisseccionistas alegam estarem preocupados com o bem-estar dos animais cujas vidas são exterminadas por suas próprias mãos e, ao mesmo tempo, alguns ditos defensores dos animais aliam-se àqueles que oprimem os animais, como se as suas lutas fossem as mesmas. Sabemos que essas lutas não são as mesmas da mesma maneira que sabemos que não é possível tirar a vida e ao mesmo tempo declarar haver interesse no bem-estar daquele de quem a vida foi tirada. O fato dos cientistas obscurantistas se verem obrigados a aliarem-se aos argumentos da defesa animal apenas escancara a sua falta de alternativas na busca mal-sucedida por encobrir suas falhas.
Os movimentos por direitos sempre vencem. Foi assim com os direitos dos negros, das mulheres, das crianças e assim será com os direitos animais. A trilha que teremos que percorrer no caminho da libertação animal até que conquistemos o nosso objetivo maior ainda é longa. Mas no que diz respeito à experimentação animal, essa conquista é apenas uma questão de tempo, pois essa prática já está com os seus dias contados.
O destino de toda a verdade é ser desvendada. O tempo para que a verdade sobre a experimentação animal seja desvendada por completo está diretamente relacionado ao empenho dos ativistas pelos direitos animais. Portanto, mais cedo ou mais tarde, à nossa escolha, o público estará definitivamente informado e imune às falsas alegações da indústria da vivissecção que obscurece essa verdade que é motivada por nada mais do que os seus próprios interesses econômicos. A incapacidade dos vivisseccionistas em sustentar a sua própria falácia científica frente à opinião pública mantém-se amenizada apenas pelo recurso a mecanismos político-econômicos, como foi o caso da aprovação da Lei Arouca. Mas a história nos mostra que a sustentação por meio desse jogo de forças tem tempo de vida contado a partir do momento que uma legião de ativistas, cientistas, juristas e outros cidadãos dedicados à verdade, à ética e à justiça começam a atuar para revolucionar o cenário vigente.
Em tempo devido, os vivisseccionistas se encontrarão sem alternativas (agora de fato e inclusive ao comodismo) e terão que formar alianças verdadeiras junto aos defensores dos direitos animais para que juntos possam finalmente trilhar o caminho que nos levará às respostas que buscamos sobre a fisiologia e a saúde humanas, sem que para isso tenhamos que subjugar e usurpar da vida e liberdade de outras espécies.
George Guimarães é nutricionista e presidente do VEDDAS – Vegetarianismo Ético, Defesa dos Direitos Animais e Sociedade
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